Publicações Judiciais I - Capital SP ● 04/02/2019 ● Tribunal Regional Federal 3ª Região
Comunicado o trânsito em julgado do Agravo de Instrumento nº 5003961-09.2018.403.0000 (ID 12096848).
É o relatório, decido.
Predomina o entendimento de que a falência não extingue a personalidade jurídica. Nesse sentido, Fran Martins[1], Ricardo Negrão[2] e o Superior Tribunal de Justiça[3] entendem que o advento da massa falida coexiste com a manutenção da
personalidade jurídica da falida, ainda que, como bem aponta Negrão[4], a mesma fique “num estado de letargia”. É como se a pessoa estivesse viva, mas em estado de coma.
Uma vez decretada a falência, a massa falida sucede a pessoa jurídica em direitos e obrigações, procede-se à liquidação dos bens e, apenas excepcionalmente, prossegue-se a atividade empresarial.
Ainda que subsista a personalidade jurídica após a decretação da falência, existe uma alteração do status jurídico da pessoa jurídica. Não fosse assim, sequer precisaria ser concebido o conceito jurídico de massa falida.
No plano dos fatos, ausente interesse dos credores na atuação no mercado, o que se tem é a apresentação do rol de credores, a classificação dos créditos, a reunião dos bens e respectiva conversão em dinheiro e pagamento dos
débitos. Em suma, na fase de liquidação não se tem mais uma empresa, mas uma liquidação judicial destinada a satisfazer, na medida do possível, os credores. O escopo deixa de ser a obtenção de lucro no mercado para ser o adimplemento das dívidas, na
medida em que ainda seja possível.
Mesmo que falida a pessoa jurídica e sem exercer atividade econômica, a massa falida ainda manifestará capacidade contributiva em diversas ocasiões, bastando pensar no caso de ser proprietária de veículos, sujeitando-se ao
pagamento anual de IPVA, de imóveis urbanos, devendo pagar IPTU, de bens de raiz rurais, sendo constrangida a adimplir o ITR. Da mesma forma que uma pessoa superendividada deve pagar IPTU por ter um apartamento, IPVA por ter um carro e IRPF
quando recebe salário, de igual modo, diante de tais manifestações concretas de riqueza eleitas pelo legislador como hipóteses de incidência de normas tributárias impositivas, igualmente ocorre com pessoas jurídicas falidas cujo patrimônio está em
regime de liquidação sob a forma de massa falida. Diante de tais fatos geradores, o status de falido não obsta a consequência jurídico-tributária natural.
Do mesmo modo, impõe-se a prestação das informações devidas ao Fisco, até mesmo para controle a respeito de eventual exercício de atividade econômica irregularmente em andamento. Se a falida ainda tiver funcionários por força
da continuidade da atividade empresarial ou se a massa contratar empregados ou prestadores de serviço para auxiliarem na liquidação, deverão ser prestadas as informações correlatas e recolhidos os respectivos tributos, normalmente. A ausência de
personalidade jurídica em nada afeta o nascimento da obrigação tributária (art. 126, III, do CTN).
Assim, violaria a capacidade contributiva e a isonomia obstar o Estado de cobrar crédito do qual é credor ante a incidência da norma tributária impositiva – e não o contrário como sustentado pela autora.
Assim, o pedido principal merece rejeição.
Já o pedido subsidiário merece acolhida.
A venda de bens do que resta do ativo para fins de satisfação dos credores não representa acréscimo patrimonial ou renda tributável quando não se está exercendo lídima atividade econômica com o objetivo de lucro. O ingresso
superior à despesa poderia, artificialmente, caracterizar renda ou aumento de patrimônio, impondo-se que se reconheça justo receio de sofrer tributação indevida.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. INTERESSE DE AGIR. OPERAÇÕES PRETÉRITAS E FUTURAS. PEDIDO CERTO E DETERMINADO. IRPJ E CSLL. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
EM REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PATRIMÔNIO LÍQUIDO NEGATIVO. FATO GERADOR DO IMPOSTO DE RENDA. ELEMENTO TEMPORAL DO ACRÉSCIMO PATRIMONIAL.
REALIZAÇÃO DE DIREITOS E DE CRÉDITOS DO ATIVO. UTILIZAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS ACUMULADOS E DA BASE DE CÁLCULO NEGATIVA DA CSLL. 1. A falta de interesse de agir, na ação
declaratória, ocorre somente quando a parte autora não consiga demonstrar que ela se encontra sujeita à relação jurídica cuja existência/inexistência pretenda ver declarada. Não cabe sustentar que o pedido
declaratório não pode abranger as operações futuras, por não estarem elas devidamente discriminadas na petição inicial, já que, fosse assim, não poderia nunca um pedido declaratório ter efeito para o futuro, eis
que este, por definição, é incerto. Quanto às operações pretéritas, não é de se exigir a demonstração de cada uma delas, pois a jurisprudência não exige esse tipo de prova nas ações declaratórias. Simplesmente
há que se evidenciar a existência de utilidade concreta no pedido declaratório, por estar a pessoa jurídica sujeita, em tese, à relação jurídica que constitui seu objeto. 2. No caso dos autos, o pedido formulado
pela parte autora, que visa não ser compelida ao recolhimento de IRPJ e CSLL enquanto ela possuir patrimônio líquido negativo ("passivo a descoberto") e estiver em regime de Liquidação Extrajudicial, mostrase certo e determinado. 3. O conceito da Constituição e do art. 43 do Código Tributário Nacional indica que renda é o acréscimo patrimonial, evidenciando-se a ideia de que é o produto líquido ou a "variação
patrimonial positiva". 4. O conceito de renda como acréscimo patrimonial exige a vinculação de sua hipótese de incidência a um período de tempo. Não há como ser apurada renda num determinado momento no
tempo, mas apenas num determinado período de tempo. Decorrendo a vinculação do conceito de renda a um período de sua configuração constitucional, a duração desse período de tempo não pode ser fixada
de forma totalmente arbitrária pelo legislador ordinário, sob pena de ofensa aos contornos da regra matriz de incidência do IR traçados pela Constituição, sobretudo ao princípio da repartição constitucional de
competências, com a tributação do patrimônio ou do faturamento, ao invés de se tributar a renda/lucro do período. 5. No caso de empresas em processo de liquidação, há um período evidente a ser considerado
para o cálculo do acréscimo patrimonial, o qual decorre da realidade fática subjacente, período este que corresponde justamente à duração do processo de liquidação. 6. Não incide Imposto de Renda e CSLL
sobre a realização de direitos e de créditos mantidos no ativo da Massa, se o resultado final do período continua negativo. Mesmo que, isoladamente, as operações de realização de direito tenham obtido valor
positivo, não houve acréscimo patrimonial ou incorporação de riqueza nova, mas tão somente redução do "passivo a descoberto". 7. A apuração contábil de direitos e créditos, mediante a utilização de prejuízos
fiscais acumulados e da base de cálculo negativa da CSLL, possibilitada pela Lei nº 11.941/2009, para reduzir ou quitar o passivo tributário, não configura acréscimo patrimonial efetivo e incondicional, já que
implicou apenas na redução do "passivo a descoberto". 8. O simples fato de ingressarem receitas no "caixa" da Massa não acarreta a presença da hipótese de incidência do IR, uma vez que receita ou rendimento
não se confundem com renda, que é a "variação patrimonial positiva", ou seja, o resultado da equação "receitas menos despesas". Somente se pode falar em renda/lucro nas empresas em processo de liquidação
extrajudicial, quando a soma dos ingressos obtidos ao "passivo a descoberto" existente resultar num valor positivo, o que só ocorrerá, como parece evidente, quando não houver mais "passivo a descoberto" a
ser liquidado. 9. Improvido o recurso da União. Provido o recurso da autora, para o fim de declarar a inexistência de relação jurídica que obrigue a Massa autora a recolher IRPJ e CSLL sobre qualquer tipo de
redução de seu patrimônio negativo, ocorrida nos últimos cinco anos a contar do ajuizamento da ação (ação ajuizada em 16/12/2011), autorizando-se a compensação, na forma da lei, ou a repetição do indébito,
sempre após o trânsito em julgado. (TRF4, APELREEX 5052775-21.2011.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 05/03/2015)
Isso porque o ingresso transitório de ativos no caixa da massa falida destina-se exclusivamente ao pagamento do passivo que lhe é superior, revelando-se inviável ver em tal atividade o acréscimo patrimonial a justificar as exigências
tributárias justificadamente temidas pela autora. E, nessa linha, como a obrigação principal não é devida, igualmente restam afastados os deveres instrumentais correlatos, não podendo a ré tomar atitude que exija o cumprimento de deveres acessórios
quando os mesmos disserem respeito exclusivamente ao IRPJ e à CSLL.
Assim, assiste razão à autora quando reclama a intervenção judicial para que se declare a inexistência de circunstâncias hábeis a ensejar a incidência das imposições relativas ao IRPJ e à CSLL enquanto não houver desempenho de
lídima atividade econômica.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido principal e PROCEDENTE O PEDIDO subsidiário, determinando que a ré se abstenha de exigir IRPJ e CSLL da autora enquanto a mesma não estiver exercendo atividade
econômica.
Custas pela metade por cada parte.
Condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios à ré que fixo nos percentuais mínimos do artigo 85, §3º do Código de Processo Civil e tendo em vista o valor atribuído à causa. Condeno a ré a pagar honorários à autora no valor de R$ 5.000,00.
Sem compensação (art. 85, § 4º, do CPC).
Fica suspensa a execução em razão da assistência judiciária gratuita.
Encaminhe-se digitalmente o teor desta sentença ao MM Desembargador Relator do Agravo de Instrumento Agravo de Instrumento nº 5010639-40.2018.403.0000.
P.R.I.
[1] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª ed. Atualização de Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 165 e 166.
[2] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. Volume 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 523.
[3] Como assentado em precedente recorrentemente invocado pela Corte: “A mera decretação da quebra não implica extinção da personalidade jurídica do estabelecimento empresarial. Ademais, a massa falida tem exclusivamente personalidade judiciária,
sucedendo a empresa em todos os seus direitos e obrigações.” (STJ, Recurso Especial 1.192.210, julgado em 16.11.2010)
[4] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. Volume 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 523.
SãO PAULO, 31 de janeiro de 2019.
PROCEDIMENTO COMUM (7) Nº 5002041-67.2017.4.03.6100 / 25ª Vara Cível Federal de São Paulo
AUTOR: ASSOCIACAO MUSICAL DE RIBEIRAO PRETO
Advogado do(a) AUTOR: ANDRE HENRIQUE VALLADA ZAMBON - SP170897
RÉU: ORDEM DOS MUSICOS DO BRASIL CONS REG DO EST DE SAO PAUL
Advogado do(a) RÉU: GIOVANNI CHARLES PARAIZO - MG105420
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 04/02/2019
179/859